3.2 - O LNA hoje: infraestrutura e produção científica

"Missão do LNA: Planejar, desenvolver, prover, operar e coordenar os meios e a infraestrutura para fomentar, de forma cooperada, a astronomia observacional brasileira."

A infraestrutura do Laboratório Nacional de Astrofísica é complexa. Trata-se de uma instituição científica – uma Unidade de Pesquisa do MCT – que também é prestadora de serviços. Ou seja, além de produzir ciência e tecnologia, o LNA presta serviços à comunidade astronômica brasileira no que diz respeito a seus próprios equipamentos e ainda aos consórcios internacionais. Ademais, agregue-se a isso a sua crescente preocupação em “contribuir para a socialização do saber em astronomia” (Bruch, 2010, p. 15), compartilhando com a sociedade brasileira não só a sua infraestrutura, mas também a produção científica e tecnológica na área da astrofísica. Veremos agora com mais pormenores tanto os equipamentos, oficinas e laboratórios do LNA quanto alguns projetos e procedimentos que viabilizam a sua produção científico-tecnológica e também a prestação de serviços.

É na sede em Itajubá (MG) que se encontram a diretoria, o corpo administrativo, o apoio científico, a engenharia e o desenvolvimento de projetos, e as oficinas e laboratórios do LNA. Como já foi dito em outra postagem, em 2006 foi inaugurado o prédio anexo da sede, que abriga oficinas e laboratórios. Recentemente, todos eles receberam instrumentos que os tornaram referências em suas áreas, fazendo com “que o LNA participasse com sucesso em licitações e competições internacionais para a construção de dispositivos para telescópios estrangeiros” (Bruch, 2010, p. 3). Desse modo, produzindo instrumentação de grande porte no LNA, transforma-se cada vez mais em realidade uma das vertentes de atuação institucional na última década: o desenvolvimento tecnológico. Além disso, o recém-inaugurado Observatório no Telhado (OnT), projeto de educação e divulgação científica, já recebeu sua cúpula, foi equipado com um telescópio Meade de 0,30m e acaba de receber um conjunto adaptador câmara-telescópio, como se vê a seguir:

"Trata-se de um conjunto adaptador câmera-telescópio que permite acoplar uma máquina fotográfica da marca Canon, com entrada tipo baioneta, ao telescópio Meade. O instrumento é um recurso a mais para fazer fotografias astronômicas e vai ser utilizado no telescópio que está sendo montado no telhado do prédio de laboratórios da sede do LNA." (Gutierrez, 2011, p. 8).

No campus do OPD, que se localiza a 1864m de altitude entre Piranguçu e Brazópolis (MG) a 37km de Itajubá, estão instalados três telescópios: o Perkin Elmer de 1,6m, o Boller & Chivens de 0,6m e o Zeiss de 0,6m. Cada um com suas configurações, aplicações e histórias próprias, que serão aqui esboçadas.

O Perkin Elmer, maior telescópio em solo brasileiro, entrou em funcionamento em 1980, tem espelho primário de 1,6m de diâmetro e possui focos coudé e cassegrain. É um telescópio de montagem equatorial com óptica Ritchey-Chrétien, que, no foco cassegrain, suporta vários instrumentos dedicados sobretudo à espectroscopia e ao imageamento. A razão focal no foco cassegrain é de f/10; no foco coudé, de f/31,2; e, no secundário, de f/150. Esse telescópio realiza busca e acompanhamento automático das estrelas, sendo usado para fotometria e espectroscopia. Na época de sua instalação era considerado de médio porte, mas atualmente, apesar da grande importância para a comunidade astronômica brasileira, é considerado pequeno em termos internacionais.

O Boller & Chivens foi instalado no Pico dos Dias em 1992, sendo fruto de um convênio entre o IAG e o LNA. Ele é usado para fotometria e polarimetria. O espelho primário tem 60cm de diâmetro e a razão focal no foco cassegrain é de f/13,5. Como no Perkin Elmer, a óptica é Ritchey-Chrétien e o apontamento é automático (uma adaptação do programa do Perkin Elmer).

O Zeiss foi adquirido da Alemanha Oriental pela UFRJ no início dos anos 1970 em troca de café. Esse equipamento ficou armazenado uma década num galpão em Brazópolis, sendo chamado de “lixo astronômico” pela revista Veja em 1975. Instalado em 1983 no OPD, seu espelho primário tem 60cm, ele tem apontamento manual e é usado exclusivamente para fotometria e polarimetria. A óptica é cassegrain, e a razão focal é de f/12,5.

Além desses telescópios, o OPD tem uma oferta de periféricos assaz diversa para imageamento, fotometria, espectroscopia e polarimetria, mas “muitos deles estão defasados e/ou apresentando crescentes problemas técnicos. [...] A exceção são os detectores CCD” (LNA, 2011, p. 6), recentemente renovados. Apesar dessa oferta diversificada, há controvérsias sobre se ela “realmente colabora para a produção científica baseada no observatório ou se seria mais adequado reduzir a oferta de periféricos para apenas aqueles que tiram proveito ótimo das características do sítio” (ibid., p. 7). Ademais, como ainda não há um módulo de instrumentos, as trocas desgastam o equipamento, exigem uma equipe técnica dedicada e limitam os modos de operação. São estes os periféricos em operação atualmente (ibid., p. 7):

  • Três câmaras diretas (Cam1, Cam2, Cam4);
  • Diversos detectores CCD e EMCCD;
  • Câmara para o infravermelho próximo (CamIV);
  • Gaveta polarimétrica (permitindo medidas no óptico e IV);
  • Espectrógrafos: 1) Coudé: média-alta resolução no óptico e infravermelho próximo; 2) Cassegrain: baixa e média resolução no óptico; 3) Eucalyptus: espectrógrafo IFU de média resolução no óptico, podendo ser operado em conjunto com o módulo polarimétrico;
  • FOTRAP: fotômetro rápido em cinco bandas.

Há também alguns instrumentos em construção ou na fase de projeto para o OPD, como o ECHARPE (Echelle de Alta Resolução para o Perkin Elmer), o MUSICOS (Multi-Site Continuous Spectroscopy), o SPARC4 (Simultaneous Polarimeter And Rapid Camera in 4 bands), o FISP (Fast Imaging Spectro-Polarimeter) e uma nova câmara imageadora (LNA, 2011, p. 24-26). Além disso, há uma demanda da comunidade para implantar o modo de observação remoto, que já está em desenvolvimento, e algumas pessoas sugerem também o modo de observação em fila. Atualmente, o OPD trabalha com o modo de observação clássico. Mas o que são esses modos de operação?

O modo de observação clássico é aquele em que o astrônomo está presente no sítio observacional. Em alguns observatórios internacionais ainda há também a operação clássica, mas predominam os modos remoto e em fila. O modo remoto é “uma extensão do modo clássico tradicional, e tem como principal vantagem evitar o deslocamento do astrônomo responsável pelo programa ao sítio do telescópio” (Ardila, 2008, p. 8). Nesse caso, o astrônomo pode trabalhar, por meio da internet, numa sala de operações em qualquer parte do mundo. Dessa sala, ele controla os instrumentos e as observações. Atualmente, no Brasil, o LNA e o IAG/USP oferecem salas de observação remota para a comunidade astronômica brasileira. Por fim, o modo de observação em fila é bastante eficiente, mas é mais caro em termos de recursos humanos, já que organizar filas não é trivial. Nesse caso, são selecionados os “projetos que mais se adaptam às condições atmosféricas do sítio do telescópio em uma dada noite” (Ardila, 2008, p. 8), considerando também o uso dos diferentes instrumentos. O Brasil conta com astrônomos residentes nos observatórios internacionais dos quais participa, como o Gemini, o SOAR e o CFHT. Eles executam os projetos e distribuem os dados para os astrônomos brasileiros. No SOAR, por exemplo, no primeiro semestre de 2011, os percentuais de modo de observação remoto/clássico e em fila foram os seguintes:


  Fonte: LNA em Dia, n. 19, 2011, p. 5.

Para executar projetos em qualquer um desses observatórios internacionais e também no OPD, há alguns procedimentos que são coordenados pelo LNA. Os projetos submetidos pelos astrônomos brasileiros, de acordo com o calendário de cada instrumento, são avaliados segundo critérios bem definidos por uma comissão de programas (CP) multi-institucional que se renova a cada dois anos. Os critérios são basicamente o mérito científico e a viabilidade técnica, sendo que publicações e citações com dados obtidos nos respectivos observatórios também são pontuadas. Atualmente, a CP do SOAR e do CFHT é a mesma e conta com 12 membros, a CP do Gemini conta com 14 membros, bem como a do OPD. O LNA também fornece todas as informações necessárias para o usuários prepararem suas propostas, missões de observação e publicações, como tempos, instrumentos, periféricos, configurações e modos de observação disponíveis, publicações prévias e normas gerais.

Como já foi dito em outra postagem, o Observatório Gemini é composto por dois telescópios idênticos, com espelho de 8,1m de diâmetro, que se encontram no Havaí e no Chile. Devido a suas localizações privilegiadas, eles conseguem, juntos, observar o céu inteiro. Trata-se de um consórcio de sete países que construiu e opera essa infraestrutura. Os astrônomos desses países podem submeter propostas de alocação de tempo a qualquer um dos dois telescópios, por meio de seus escritórios locais, de acordo com a sua participação financeira. No caso do Brasil, o escritório local é o LNA e a participação financeira hoje é de 2,31%.

Projetados com tecnologia de ponta para fornecer a melhor qualidade óptica e infravermelha possível, os telescópios Gemini são os únicos desse porte no mundo com cobertura protetora de prata, o que, em relação às usuais coberturas de alumínio, reduz a emissão térmica do infravermelho e aumenta a refletividade em comprimentos de onda maiores que 400μm. No entanto, no ultravioleta, o desempenho se reduz. Além disso, só para citar mais um recurso, os telescópios foram ou estão sendo equipados com sistemas de óptica adaptativa, que produz imagens cinco a dez vezes mais nítidas, corrigindo manchas causadas pela turbulência atmosférica.

Em termos de periféricos, os telescópios Gemini contam atualmente com: espectrógrafo e imageador GMOS, espectroscópio NIRI, espectrógrafos NIFS e GNIRS, imageador e espectrômetro Michelle para imageamento e polarimetria, sistema de óptica adaptativa ALTAIR, unidade de calibração GCAL, imageador NICI, imageador e espectrômetro T-ReCS, entre outros que já não são mais usados para fins científicos ou que ainda não estão disponíveis. Seguem abaixo as quantidades de horas solicitadas por instrumento tanto para o Gemini Norte quanto para o Gemini Sul no primeiro semestre de 2011:



     Fonte: LNA em Dia, n. 18, 2011, p. 15.

Além disso, de 2005 a 2008 o LNA fez uma série de estudos para a construção do espectrógrafo WFMOS, mas em 2009 esse projeto foi cancelado pelo Conselho Diretor do Gemini em função da crise econômica mundial. Segundo Bruch (2010, p. 11-12):

"Um dos maiores sucessos em desenvolvimento tecnológico no LNA foi o envolvimento da instituição no projeto WFMOS [...] que figura como o projeto instrumental mais ambicioso para a astronomia terrestre já concebido. Nesse empreendimento astronômico, tem-se como idéia básica o acoplamento de uma câmara de grande porte no plano focal do telescópio através de 4.000 fibras óticas a uma bateria de espectrógrafos individuais, permitindo fazer espectroscopia de 4.000 estrelas ou galáxias ao mesmo tempo, cobrindo um amplo campo no céu. Essa configuração permitiria, entre muitas outras aplicações científicas, estudos detalhados para desvendar o mistério da chamada “energia escura”. [...] De acordo com a sua competência técnico-científica, o LNA ficou responsável pelo acoplamento do telescópio aos espectrógrafos propriamente ditos através das fibras óticas. No julgamento das propostas recebidas pela comissão de licitação para a construção do WFMOS, o conceito técnico-científico apresentado pelo consórcio do LNA se mostrou significativamente superior aos demais competidores em termos tecnológicos, financeiros e de risco."

Ao contrário dessa decepção com o desenvolvimento instrumental para o Gemini, para o SOAR já se construíram, ou estão em fase de construção, três instrumentos: o espectrógrafo SIFS, que já está no Chile em fase de comissionamento, o espectrógrafo STELES, já em fase avançada de construção, e o imageador BTFI, que também já se encontra no Chile em fase de comissionamento.

O SOAR, como dito em outra postagem, é um telescópio de 4,1m de abertura situado a 2.700m de altitude em Cerro Pachón no Chile. O MCT faz parte do Consórcio SOAR junto com três instituições norte-americanas, sendo o sócio majoritário com uma participação de 34,4%. O LNA é o escritório nacional do SOAR, que conta também com um Conselho Diretor formado por representantes de todos os parceiros.

Construído para operar com vários instrumentos, o SOAR conta atualmente com a seguinte instrumentação: câmara SOI, espectrógrafo óptico Goodman, espectrógrafo e imageador infravermelho OSIRIS e câmara infravermelha Spartan. O sistema permite que o observador alterne entre os instrumentos, alguns dos quais ficam prontos para uso em poucos minutos. De todos eles, o mais requisitado é o Goodman, como se vê na figura abaixo, que se refere ao primeiro semestre de 2011. Além disso, o SOAR contará em breve com os já mencionados SIFS, STELES e BTFI. Como resultado do Primeiro Simpósio Internacional de Ciência com o Telescópio SOAR, realizado no Brasil em 2011:

"Ficou evidente o papel que o SOAR tem no país, não só no desenvolvimento de instrumentação de ponta, senão também como ferramenta de pesquisa e de formação de recursos humanos da mais alta qualidade. As oportunidades que se aproximam assim que os novos instrumentos entrarem em pleno funcionamento são enormes, permitindo explorar novos nichos de ciência, atualmente restritos ou contidos pela falta de instrumentação apropriada." (Ardila, 2011, p. 2).


    Fonte: LNA em dia, no. 19, 2011, p. 4.   

Em relação aos equipamentos do CFHT, que, relembrando, é um telescópio de 3,6m no Havaí ao lado do Gemini Norte e que complementa a infraestrutura astronômica brasileira desde 2009, há atualmente os seguintes instrumentos periféricos principais: câmaras panorâmicas gigantes WIRCam e MegaCam, que operam no visível e no infravermelho, e o espectropolarímetro ESPaDOnS. Ademais, já há uma demanda por um instrumento de nova geração. Segundo Mariângela de Oliveira-Abans (2011, p. 12): “Uma proposta prevê que o estudo completo do design deveria estar pronto até o final de 2011, que o instrumento estaria pronto até 2013, e seria comissionado e entraria em operação científica até o final de 2014!”

Com toda essa infraestrutura à disposição, a produção científica com dados do LNA é extensa, tendo se iniciado em 1980 com o já mencionado artigo publicado com os dados da primeira coleta de luz no Pico dos Dias. De lá para cá, publicaram-se 418 artigos em periódicos arbitrados, 94 dissertações de mestrado e 70 teses de doutorado com dados do OPD. Ao todo, já se produziram 527 artigos em periódicos arbitrados, 98 dissertações de mestrado e 88 teses de doutorado com dados de observatórios gerenciados pelo LNA (OPD, Gemini e SOAR; o CFHT ainda é muito recente). Comparando esses números, temos os seguintes gráficos:


    Artigos em periódicos arbitrados

 
    Dissertações de mestrado

 
    Teses de doutorado


Além de alavancar a produção científica da comunidade astronômica brasileira nos seus 30 anos de existência, há que se destacar também, na última década, a preocupação do LNA com divulgação científica, isto é, em estabelecer a conexão entre ciência e sociedade, ou, nos termos dos dois últimos planos diretores, a preocupação em socializar o conhecimento.

Por meio de projetos como o já bem-sucedido OPD de Portas Abertas, que em sua última edição levou 1720 visitantes ao Pico dos Dias, e o Observatório no Telhado, no terraço da sede em Itajubá, o LNA informa a sociedade brasileira em geral sobre as atividades da instituição, e também colabora com a disseminação do conhecimento e a educação científica. Além disso, o boletim LNA em Dia, regularmente publicado desde março de 2008, já está em sua vigésima-segunda edição, servindo de veículo de informação sobre o trabalho realizado no LNA tanto para a comunidade científica quanto para o público em geral.

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