2.3 - Avaliações e autoavaliações do LNA

Antes de avançarmos mais no tempo, vejamos um retrato do LNA por meio da série de avaliações e autoavaliações da instituição (Pacheco, 1994b; Comissão Bevilacqua, 1994; MCT, 1994; LNA, 1994; Bruch, 1996) feitas logo após a adesão ao Gemini e pouco antes da adesão ao SOAR.

José Antônio de Freitas Pacheco analisou a autoavaliação do LNA em 1994 e deu seu parecer, que foi publicado num Boletim da SAB no mesmo ano. Para ele, faltava esclarecer melhor a missão da instituição: “o LNA é uma instituição singular no país”, basicamente um laboratório nacional “para uso de toda a comunidade científica, com a finalidade principal de ‘prover os meios instrumentais de grande porte (ou custo) para a realização de pesquisas em astronomia’” (Pacheco, 1994b, p. 2). Ademais, Pacheco destacava o papel positivo do LNA no desenvolvimento da astronomia brasileira, sobretudo na formação de pesquisadores, que pôde ganhar uma orientação observacional; mas também na formação de profissionais altamente qualificados para fazer a manutenção e aperfeiçoar os equipamentos já instalados, e igualmente desenvolver novos instrumentos. Naquele momento, segundo ele (Pacheco, 1994b, p. 3), o nível não era igual nos vários setores: “É de alto nível na eletrônica e informática, de bom a razoável na parte mecânica e regular na parte óptica. Em alguns setores, tais problemas poderiam ser minimizados com um plano adequado de capacitação profissional.”

Vale lembrar que, nesse momento, o LNA contava com os três telescópios já mencionados – o Perkin Elmer de 1,6m, o Zeiss de 60cm e o Boller & Chivens também de 60cm – e com a seguinte instrumentação auxiliar: espectrógrafos coudé e cassegrain, alguns fotômetros e detectores CCD, e um polarímetro. Quase todos esses equipamentos foram adquiridos ou construídos em parceria com ou cedidos por outras instituições. Segundo Pacheco (1994b, p. 5), era necessário adquirir “um novo espectrógrafo Cassegrain [...] [com] uma câmara projetada para uso com detetores CCD e uma instrumentação mais eficiente para observação no infravermelho”.
   
Em sua análise do quadro de pessoal, Pacheco detectava uma das principais deficiências do LNA: a ausência de pesquisadores seniores. Some-se a isso mais quatro problemas que ele considerava grave, alguns com provável causa no anterior: 1) inexistência de colaboração internacional; 2) sítio de baixo aproveitamento devido às condições meteorológicas; 3) demanda decrescente de uso do telescópio de 1,6m, apesar do aumento crescente da comunidade; e 4) número reduzido de artigos científicos resultantes de dados do LNA em comparação a outros observatórios, e também desequilibrados em relação ao tempo de uso (Pacheco, 1994b, p. 4-5).
   
Nesse momento, suas recomendações ao CNPq eram as seguintes: atrair pesquisadores seniores, suprir deficiências no quadro técnico e planejar capacitação profissional, manter o orçamento em torno de 150 mil dólares por ano, não instalar novos equipamentos no OPD, rever a política de uso do telescópio, investir num sistema de banco de dados e de comunicações para melhorar o aproveitamento, estimular pesquisadores e divulgar informações à comunidade (Pacheco, 1994b, p. 6).
   
Nesse mesmo ano, o LNA foi avaliado por uma comissão internacional coordenada por Luiz Bevilacqua, na época diretor das unidades de pesquisa do CNPq, cujas considerações não são muito diferentes das que vimos anteriormente com José Freitas Pacheco. Também participaram dessa comissão Sylvio Ferraz Mello (IAG), Kepler de Souza (IF-UFRGS), Malcom Smith (CTIO) e Robert Williams (STSci). O principal objetivo do relatório produzido por essa comissão era descrever a situação da astronomia no Brasil e sua interação com a comunidade astronômica mundial, e fornecer algumas sugestões ao MCT para o desenvolvimento desse ramo da ciência brasileira e sua inserção em programas de cooperação internacional (Comissão Bevilacqua, 1994, p. 7).
   
Além da presença forte da SAB, essa comissão destacava a recente liderança da astronomia brasileira na América Latina e o também recente planejamento de pesquisa, sobretudo com a adesão ao Gemini e o desenvolvimento do programa cooperativo para projetar, instrumentalizar, instalar e operar o SOAR. Ademais, chamava a atenção para a ativa comunidade de 100 astrônomos brasileiros, que, além de publicar em periódicos internacionais, constituía o único grupo sul-americano capaz de fazer isso (ibid., p. 8-10). No entanto a comissão internacional considerava insatisfatório o desenvolvimento da área de instrumentação e software, o que, de acordo com a sua previsão, provavelmente se resolveria nos cinco anos seguintes devido à parceria nos consórcios: “O plano geral baseado em desenvolvimento de telescópios ópticos/infravermelhos no Chile deve fornecer, nos próximos cinco anos, o foco e a missão eficazes para o desenvolvimento apropriado detalhado da infraestrutura científica, técnica e administrativa necessária no Brasil.” (Comissão Bevilacqua, 1994, p. 10).
   
Em relação especificamente ao LNA, a Comissão concordava com a sua missão de ser um laboratório nacional, coordenando para o Brasil os recursos observacionais ópticos aqui e no exterior. Todavia não aconselhava novos investimentos no OPD devido às más condições meteorológicas, e sim na cooperação internacional para estabelecer telescópios em locais mais apropriados. Além disso, apesar de a comissão reconhecer a qualidade da equipe técnica do LNA, considerava-a pequena e sugeria a contratação de um ou dois astrônomos e de três ou quatro técnicos, e também o investimento em treinamento de pessoal na aquisição de dados e no uso de instrumentos e software para aquisição e redução de dados, sobretudo porque a cooperação internacional aumentaria essa demanda nas décadas seguintes. A Comissão recomendava ainda uma revisão dos critérios para alocação de tempo de uso dos telescópios do LNA, visando projetos com maior produtividade; a introdução de uma política de direitos sobre os dados, o que implicava a implementação de um banco de dados; e a realização de observações de serviço em noites com menor qualidade (ibid., p. 11-13).
   
Dois anos depois, Albert Bruch (1996), que na época estava vinculado ao Astronomisches Institut na Alemanha mas já interagia com a astronomia brasileira desde 1989, publicou seus comentários sobre essa avaliação da Comissão Bevilacqua. Ele concordava com a maioria das afirmações do relatório, como a de que o Brasil assumira a liderança da astronomia na América Latina. Mas havia algumas das quais ele discordava em parte, como a posição da SAB, que, para ele (ibid., p. 4), “seria um fórum natural de discussão, mas talvez não fosse o fórum ideal para decisões”; ou discordava totalmente, como a de que a equipe do LNA deveria realizar observações de serviço no OPD nas noites de menor qualidade, o que, para ele (ibid., p. 8), seria contraprodutivo, melhor seria haver programas backup para essas ocasiões. Também havia algumas afirmações do relatório que ele considerava mais importantes do que a Comissão faz parecer, como a interação com grupos internacionais. Outro assunto que Bruch (ibid., p. 9) destacava era o problema do armazenamento de dados: “Eu considero essa questão geral um dos maiores desafios da astronomia a médio prazo [...]. No entanto não estou a par de que já haja uma boa solução para esse problema.” Sua recomendação era que, antes de criar um banco de dados, o LNA acompanhasse o que estava sendo feito em outros observatórios para que essa empreitada fosse o mais padronizada possível. Para Albert Bruch (1996, p. 8), a missão do LNA deveria ser redefinida: sua função primária não poderia ser uma instituição científica, mas tampouco deveria ser exclusivamente um prestador de serviços.

O MCT (1994, p. 20-23) também avaliou o LNA positivamente e fez algumas sugestões não muito diferentes das que já vimos até aqui nas outras avaliações: aumentar o investimento no desenvolvimento instrumental e na equipe técnica, iniciar a preparação para os projetos no exterior sob coordenação do LNA, aumentar o rigor na seleção de projetos observacionais, não instalar nenhum telescópio novo no OPD devido às condições meteorológicas, considerar a possibilidade de unificar a radioastronomia e a astrofísica com a absorção da antena de Atibaia, montar um banco de dados, treinar jovens astrônomos, estimular visita de astrônomos estrangeiros, integrar-se à RNP e aumentar os recursos para no mínimo um milhão de dólares por ano.

Em resposta a esse relatório do MCT, o LNA (1994, p. 24-33) publicou um texto no Boletim da SAB em que lembrava que dois aspectos distintos estavam sendo tratados: seu papel como prestador de serviços e as atividades próprias da instituição. Quanto ao primeiro não havia problemas, e as sugestões seriam consideradas. Quanto ao segundo papel, no entanto, o LNA identificara críticas pertinentes e outras nem tanto, inclusive contraditórias.

Segundo esse texto do LNA, por exemplo, “a premissa na qual se baseia a recomendação de não se instalar novos telescópios no Pico dos Dias é falsa” (ibid., p. 25), já que o suposto baixo percentual de noites favoráveis à observação não significava condições meteorológicas ruins, e sim aproveitamento em pesquisas, ou seja, foram incluídas “noites de engenharia, manutenção, noites prejudicadas por problemas instrumentais, faltas dos astrônomos em comparecer ao turno observacional e falhas no preenchimento do relatório de atividade noturna” (ibid.). Outro problema era a unificação da radioastronomia com a astrofísica. Segundo o LNA, “do ponto de vista burocrático ela é compreensível, e como tal, tem um apelo positivo. No entanto, do ponto de vista técnico-científico, não faz o menor sentido” (ibid., p. 26), sobretudo porque, como o próprio relatório do MCT dizia, o LNA estava cumprindo bem a sua missão. Mas o ponto mais problemático era a crítica à seleção de projetos tanto em relação ao rigor quanto em relação à produtividade. Segundo o LNA (1994, p. 26-28):

"A seleção de projetos científicos para utilização dos telescópios do LNA é rigorosa, com critérios bem definidos, análogos aos utilizados em qualquer grande observatório. [...] A afirmação de que astrônomos mais produtivos devem ter maior disponibilidade de tempo está em oposição à recomendação 8, que sugere que se dê tempo para astrônomos jovens. A concessão de tempo deve contemplar todos estes fatores, o que está sendo feito. Aparentemente houve um erro de interpretação por parte dos avaliadores levando-os a pensar que o número de publicações estivesse decrescendo. [...] Na verdade verifica-se que nos anos em questão houve um aumento no número de publicações."

Além disso, há discordância com relação à demanda pelos telescópios. Segundo o MCT (1994, p. 21), a demanda estaria diminuindo, mas, segundo o LNA (1994, p. 28), a conclusão foi tirada com base num tempo limitado e, na verdade, “verifica-se que há até um incremento no número de projetos submetidos recentemente”. Ademais, destacam-se as “27 dissertações de mestrado e 21 teses de doutoramento até hoje” (ibid., p. 30-31) e, dentre as providências em andamento, o planejamento de receber os visitantes Tod Ramseyer e Albert Bruch.

Esse último, alguns anos depois, entraria o milênio como diretor do LNA, inaugurando um período de redefinição da missão institucional sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico. Mas isso é assunto para a última parte deste blog, bem como a produção científica associada ao LNA, que veremos a seguir.

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