Prólogo

O Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), tema deste blog, é uma instituição científica nascida nos anos 1980 no seio do Observatório Nacional (ON) e que inseriu definitivamente o Brasil na pesquisa astrofísica. No entanto, talvez o prezado leitor esteja se perguntando: mas, afinal, o que é astrofísica? É um ramo da astronomia? É um ramo da física? Qual é a sua distinção em relação à astronomia ou à física? Vejamos uma definição dessa ciência, fornecida por Walter Maciel (2004, p. 126), astrofísico do IAG-USP: “A astrofísica é essencialmente uma ciência baseada em observação. A maior parte dos astrofísicos trabalha com modelos ou com interpretações de observações. Estas são feitas em observatórios, e os observatórios costumam ser radiobservatórios ou observatórios ópticos. Alguns usam infravermelho, alguns entram na parte milimétrica.” Trata-se, pois, de uma ciência observacional. Mas será só isso?

À moda do teatro, tomemos o prólogo no sentido daquilo que acontece bem antes da ação a ser narrada. Voltemos pouco mais de um século atrás, quando essa “nova astronomia” ainda dava os seus primeiros passos como ciência autônoma e já começava a despertar interesses no ON, chamado então de Imperial Observatório do Rio de Janeiro (IORJ). Com isso, entenderemos melhor como a astrofísica se diferencia da astronomia clássica – cuja principal questão é o movimento dos corpos celestes – e obteremos um panorama da presença da astrofísica no Brasil.

A criação da astrofísica na segunda metade do século XIX é marcada, entre outras coisas, pela interdisciplinaridade (não só astronomia e física, mas também química, geologia e meteorologia) e pelo desenvolvimento técnico-instrumental. À astronomia agregaram-se os métodos e as leis da física, o que significou uma maior unificação das ciências naturais e também a derradeira pá de cal na cosmologia aristotélica, que preconizava uma diferença ontológica entre o mundo terrestre e o mundo celeste. Com os novos instrumentos ópticos, ainda que inicialmente carecessem de padronização, seria possível interagir com os longínquos corpos celestes e, por meio das leis físicas, interpretar os dados por eles obtidos. Com isso, observatórios transformaram-se em laboratórios, ampliando as questões científicas a serem tratadas pela astronomia. Trata-se, pois, não apenas de uma ciência observacional, como definiu Maciel, mas também experimental, e com uma questão diferente da astronomia clássica: a constituição dos corpos celestes. Esse novo domínio da ciência contou sobretudo com a contribuição inicial de astrônomos italianos, ingleses, alemães, franceses e americanos (Videira, 1995).

Podemos dizer que, em sintonia com o que acontecia lá fora, já se percebe a presença da astrofísica no ON no período imperial e no início da República, quer seja na forma de projeto, instrumentação ou linha de pesquisa. Alguns exemplos disso são: 1) a doação do terreno da Fazenda Imperial Santa Cruz que D. Pedro II fez ao ON (a localização do observatório no Morro do Castelo era um dos principais empecilhos para a implementação da astrofísica, que exigia um instrumental impossível de ser instalado na velha sede, que estava em péssimo estado de conservação e não tinha o clima apropriado para um observatório astrofísico); 2) as várias menções à pesquisa astrofísica em documentos administrativos, especialmente na gestão de Morize, que havia “revelado certa predileção pela astrofísica e pela geofísica” (Moraes, 1994, p. 144); 3) a existência de um espectroscópio dentre os instrumentos do ON; e 4) o registro de trabalhos científicos realizados em astrofísica, dos quais talvez o mais importante seja a expedição brasileira a Sobral em 1919 para comprovar a teoria da relatividade geral de Einstein. Mas bem antes disso: “Em 1874, já diretor, Liais trouxe de Paris um equipamento astronômico bastante completo e passou a trabalhar [...] [no] estudo astrofísico das órbitas de Vênus, Marte e Mercúrio [...]. Este trabalho era feito em condições precárias, a começar pela imprópria localização do Observatório.” (Schwartzman, 1979, p. 105).

Nessa época foram diretores Emmanuel Liais, Luiz Cruls e Henrique Morize (de 1871 a 1929), e, como vimos nos exemplos acima, eles pareciam ter o objetivo de investir em astrofísica, ainda que de maneira rudimentar; no entanto, apesar da transferência da sede do ON do Morro do Castelo para o de São Januário, o Brasil ainda não contava com os recursos humanos nem as condições financeiras para construir e manter um observatório astrofísico, pré-requisito para levar a cabo esse objetivo (Videira, 1997). As condições para isso foram criadas ao longo da segunda metade do século XX, que é quando começa a nossa história.