Introdução


"Para que possa nosso país cooperar eficazmente para o progresso da astronomia, mister se faz a ereção de um observatório, ou a transferência de um dos existentes para uma região de clima mais propício, afastada dos grandes centros urbanos."
(Abrahão de Moraes, 1955)

"O novo observatório astrofísico deverá possuir os recursos instrumentais suficientes para a implantação da pesquisa em astrofísica óptica no Brasil em nível internacionalmente competitivo. [...] Esses recursos instrumentais serão utilizados por todas as instituições astronômicas brasileiras, constituindo-se no ponto central do programa astronômico do país."
(Luiz Muniz Barreto, 1976)

"O Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA) é uma Unidade de Pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), responsável, em nível nacional, por fornecer e operar a infraestrutura para a astronomia observacional. Portanto, embora o aspecto da pesquisa seja imprescindível para cumprir sua missão com êxito e qualidade, o LNA é, em primeira instância, uma instituição prestadora de serviços. O LNA, junto com organizações predecessoras, cumpre esse papel há mais de 30 anos."

(Albert Bruch, 2010)


Este é um blog sobre uma instituição científica balzaquiana, o Laboratório Nacional de Astrofísica. Apesar de só ter recebido o nome de LNA em 1985, o primeiro laboratório nacional brasileiro já começara suas atividades cinco anos antes, completando seus 30 anos em 2010. No entanto, como a inauguração definitiva do então chamado Observatório Astrofísico Brasileiro (OAB) foi em 1981, seu trigésimo aniversário realmente só ocorreu no ano passado, em 2011.

Como veremos ao longo deste texto, outras datas merecem ser mencionadas como marcadores importantes da institucionalização do LNA, e também da própria astrofísica no Brasil, que só começa profissionalmente ao longo do processo de desenvolvimento da astronomia brasileira que resultou na construção do OAB. Diversas mudanças ocorreram num cenário de redemocratização do país, com imensas dificuldades econômicas e demandas educacionais. A atividade científica brasileira também estava se transformando, sobretudo com a criação, em 1985, de um ministério dedicado exclusivamente à ciência e tecnologia – o MCT –, do qual, anos depois, o LNA viria a ser uma de suas unidades. Mas esses acontecimentos serão vistos com calma nas próximas postagens.

O objetivo deste blog é escrever uma história do Laboratório Nacional de Astrofísica não só das três últimas décadas, mas também do processo de instalação daquele que até hoje ainda é o maior telescópio em solo brasileiro. Com base numa historiografia informada pelos Science Studies, tomamos a ciência tal qual se faz hoje no LNA para construir essa história. Nessa perspectiva, a ciência é uma prática local, culturalmente situada, que produz objetos científicos, que se faz em instituições e que, portanto, imbrica-se com a política, com as relações sociais e os conceitos vigentes numa dada sociedade. Seus agentes, sejam eles cientistas, gestores ou outros atores da atividade científica, relacionam-se entre si, interagem e são constituídos pelos mais diversos valores, interesses, controvérsias e concepções de mundo. Por conseguinte, essa história só pode se pretender provisória, uma primeira abordagem de algumas fontes, um recorte específico numa determinada circunstância.

Ainda a título de introdução, é importante lembrar a vinculação do LNA ao Observatório Nacional (ON), mas também não se pode esquecer que esse primeiro laboratório nacional é igualmente fruto do projeto multi-institucional de desenvolvimento da astronomia brasileira sonhado por Luiz Muniz Barreto e Abrahão de Moraes, respectivamente do ON e do IAG, no início dos anos 1960, e que foi incluindo pessoas de outras instituições, como ITA, UFMG, Mackenzie e UFRGS. O sonho de Muniz Barreto e Abrahão de Moraes contagiou diversos jovens dessas instituições, que viriam a ser os primeiros astrofísicos brasileiros ou seus mentores, como Germano Quast, Carlos Alberto Torres, Jair Barroso, José Freitas Pacheco, Sylvio Ferraz Mello e Lício da Silva, só para citar alguns.

Esse projeto implicava a instalação de um observatório astrofísico brasileiro. Para isso, era necessário um trabalho árduo de escolha de sítio, formação de pessoal em astrofísica, escolha e aquisição de um telescópio de grande porte, além da construção do observatório propriamente dito e de toda a infraestrutura para o seu bom funcionamento. Ao longo de duas décadas isso foi feito até que finalmente se deu a primeira coleta de luz do OAB em 1980, que fora instalado no Pico dos Dias em Brazópolis (1), no sul de Minas Gerais. Sem a cooperação científica entre as instituições mencionadas, fundada nos valores pessoais de seus representantes, Abrahão de Moraes, Muniz Barreto e todos aqueles que foram contagiados pelo sonho astrofísico, nada disso teria sido possível. Decerto que houve transferências de profissionais de um lugar para outro, problemas políticos aqui e acolá, mal-entendidos eventuais, mas, de maneira geral, a divisão de tarefas foi bastante eficiente.

Ao longo dos anos 1980, a astrofísica brasileira desenvolveu-se sobremaneira graças à transformação do sonho de Muniz Barreto e Abrahão de Moraes em realidade; no entanto o caráter de laboratório nacional da instituição inviabilizava cada vez mais a sua vinculação formal ao ON. Por isso, em 1989, o LNA desvinculou-se do ON e tornou-se uma unidade de pesquisa autônoma subordinada ao CNPq. Anos depois, já com sede na vizinha Itajubá e tendo denominado o campus do observatório de OPD (Observatório do Pico dos Dias), o LNA, como já foi dito, passou a ser uma unidade do MCT.

Na década seguinte, com o já mencionado boom da astrofísica brasileira, o telescópio de grande porte do OPD já não era mais suficiente para determinadas pesquisas. Novamente a cooperação científica se destaca, agora na forma de consórcios internacionais. Primeiro o Gemini (dois telescópios idênticos, o Sul e o Norte, localizados, respectivamente, no deserto do Atacama, nos Andes chilenos, e no vulcão adormecido Mauna Kea, no Havaí), depois o SOAR (localizado perto do Gemini Sul). O LNA torna-se, então, o gestor desses consórcios no Brasil, organizando o tempo dos astrônomos brasileiros nesses telescópios internacionais, além de no próprio OPD evidentemente. Outra função que o LNA assumiu nesses consórcios internacionais foi a construção de peças e instrumentos para os telescópios.

Com essa segunda função pavimentou-se o caminho para a inserção do Brasil em outros nichos de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I), além, é claro, de alavancar o desenvolvimento tecnológico não só do LNA, mas também das suas instituições parceiras. Esse investimento na parte instrumental é o teor da primeira década do século XXI no LNA, agregando-se a isso novíssimas parcerias com telescópios internacionais, como o CFHT (Canada-France-Hawaii Telescope, ao lado do Gemini Norte) e o ESO (European Southern Observatory).

Esse último ainda se encontra em fase de negociações com o governo brasileiro, tendo em vista que, além do acesso ao conjunto de telescópios já existente (no Chile) e a construção de peças e equipamentos, há a possibilidade de o Brasil vir a ser membro do ESO, com ou sem a intermediação do LNA, participando assim da construção do maior telescópio terrestre, o chamado E-ELT (European Extremely Large Telescope). Mas há controvérsias na comunidade astronômica brasileira sobre se essa empreitada é boa para o Brasil, como veremos em outras postagens.

Não é difícil notar que as perspectivas da astrofísica brasileira para os próximos anos estão diretamente relacionadas não só com uma política científica que se consolidou nas duas últimas décadas, mas também com a posição econômica de destaque que o Brasil vem assumindo no mundo. Se esse quadro vai se manter e se a parceria com o ESO resultará num empreendimento científico bem-sucedido para o Brasil, e especificamente para o LNA, só saberemos com o tempo. Enquanto este blog estava sendo escrito, ainda não havia nada definido.

Quanto à organização desta história, será adotada aqui uma narrativa cronológica, por isso o texto se divide em três partes: a primeira vai desde os sonhos iniciais de um observatório astrofísico brasileiro até a efetivação desse sonho com a instalação do OAB em 1980, passando pelo projeto de desenvolvimento da astronomia brasileira nos anos 1960 e todo o esforço colaborativo entre os anos 1960-70 para instalar um telescópio de grande porte no Brasil; a segunda dedica-se às duas primeiras décadas de funcionamento do OAB-LNA com todas as suas metamorfoses institucionais e o início dos consórcios internacionais; e a terceira e última trata de fazer um retrato do LNA hoje e de suas perspectivas futuras segundo os próprios atores desta história, destacando o desenvolvimento tecnológico e as novíssimas parcerias.

A cooperação científica nacional e internacional perpassa todas essas fases, por isso foi tomada como tema geral, mas o foco dessa história é a própria instituição, considerando-se todas as transformações pelas quais passou e continua passando. Isso porque o LNA é uma instituição que nasce dentro de uma outra instituição, mas que tem como condição de possibilidade existencial a multi-institucionalidade. Tornada instituição autônoma, além dessa vocação para a cooperação científica, foi necessário desenvolver a eficiência gestora e tecnológica para dar conta das demandas que se produziram. Há novas mudanças no ar, mas isso só o futuro vai dizer.

Vale lembrar que nada disso seria possível sem aquelas pessoas que: 1) sonharam com um observatório astrofísico que alavancasse a ciência astronômica no Brasil; 2) transformaram o sonho em projeto; 3) executaram o projeto até fazer o sonho tornar-se realidade; 4) mantiveram essa realidade ao longo das últimas três décadas; e 5) têm trabalhado duro para que essa realidade possa acompanhar as transformações na ciência brasileira e no mundo. Decerto que todos que se encontram atualmente em Itajubá e nos observatórios sob sua gestão são parte disso e constituem a história do presente do LNA. Mas há alguns recém-aposentados ou prestes a isso que, além de serem o presente do LNA, são a própria memória dessa instituição. Há outros também que não se encontram mais entre nós, mas que documentaram esse percurso das mais diversas formas. São algumas gerações de técnicos, engenheiros, físicos, astrônomos e, a partir de um certo momento, astrofísicos de formação, que constituíram e constituem, científica e politicamente, o LNA.

Estes são os protagonistas da história do Laboratório Nacional de Astrofísica, fontes privilegiadas que aqui consultamos na forma de entrevistas, conversas informais e documentos dos mais variados tipos, desde cartas, telegramas e outros textos depositados no Arquivo de História da Ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), até artigos, periódicos e livros publicados nos mais diversos veículos, passando por contratos, projetos, fotografias e outros tipos de imagens e documentos do próprio LNA.
Como já se pode perceber, trata-se da história de uma instituição em transformação num país em transformação, que se baseia, desde quando ainda era projeto, em cooperação científica nacional e internacional, e cujos personagens não só são sonhadores, mas também realizadores.

(1) Aqui será usada a grafia oficial da cidade de Brazópolis, ou seja, com “z”. No entanto, nas citações da bibliografia consultada, a grafia varia. Como de praxe, será mantida a grafia conforme o autor citado.

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